Defalt Mode Network (DMN) pode ser definida como uma linha base de atividade neuronal [1] que se produz quando o indivíduo tem pensamentos que não estão direcionados a um objetivo. Isso se descobriu ao analisar o grau de variação no consumo de oxigênio de várias áreas do cérebro, as quais eram ativadas quando as pessoas não pensavam em “nada em especial” (isso é importante). Outro fator utilizado para estudar essa rede é a sincronia (o grau de coordenação das frequências emitidas pelos neurônios como consequência de sua atividade elétrica). Para fazer uma comparação, imagine que as antigas rádios de frequência emitem na mesma sintonia (ou em várias que se acoplam) e se disparam ao mesmo tempo, comunicando-se em grande escala.
No experimento típico de DMN, pede-se que as pessoas fechem os olhos e não pensem em nada em particular, e que simplesmente se mantenham acordadas. Então realizam-se exames de imagem, através de ressonância magnética (ou outras técnicas), das áreas do cérebro que se deseja estudar. Depois, pede-se que essas pessoas realizem uma tarefa que requeira pensamentos e/ou comportamentos direcionados para um objetivo (uma demanda executiva).
Estas são as zonas que se ativam na situação “em repouso” (DMN):
Nesta imagem, podemos ver que além das áreas azuis escuras, há traços mais esfumados que conectam essas áreas. São fragmentos de matéria branca, o que nos faz compreender que as redes do cérebro são configuradas como redes de “pequeno mundo”: centros distribuídos e conectados em larga escala no cérebro. Essas redes evoluem com o amadurecimento, ou seja, nos primeiros anos de vida não apresentam tanta coesão [2]. Entre as zonas que se ativam estão:
- O córtex pré-frontal medial, área na qual se localizam as Áreas de Brodmann 9 e 10, entre outras. Essas duas áreas estão relacionadas com as representações da nossa personalidade e cognição social.
- O precuneus (ventral), relacionado com a memória episódica, com a consciência e com o eu/self; e também com as habilidades visuoconstrutivas.
- O lobo parietal inferior, relacionado com a linguagem, com a imagem corporal e com a identificação de emoções; e também com a representação espacial.
Quando se contrasta a atividade do cérebro em ambas situações (quando “não se pensa em nada” versus quando se tem um pensamento direcionado a um objetivo/resolução de problemas) obtém-se uma imagem semelhante a essa que vimos anteriormente. As zonas azuis se correspondem com as zonas ativadas quando a pessoa executa uma tarefa (Rede de Trabalho). As zonas alaranjadas seriam a DMN. O interessante é que a execução da tarefa executiva se correlaciona com uma ativação correta da rede de trabalho (“azul“) e uma atenuação correta (que não chega a ser desativada) da DMN (“alaranjada“). Teríamos um exemplo de” dissociação dupla ” na neuropsicologia?
Não pense em nada em particular!
Na verdade, quando o pesquisador nos pede para não pensarmos em nada em particular por um determinado período de tempo, algo sim que fazemos. Isso acontece porque não perdemos a nossa consciência própria. Normalmente, as pessoas que participam desses experimentos relatam que durante essa condição experimental pensam em si mesmas (self, personalidade), em coisas que elas têm que fazer (memória prospectiva), ou em situações que elas vivenciaram (memória episódica); inclusive pensam em conceitos abstratos (conceitos semânticos) que podem ou não ter conexão.
Como a DMN está relacionada com o Alzheimer?
Alzheimer é uma síndrome de desconexão neuronal. Essa desconexão afeta as redes de pequeno mundo e sua comunicação em grande escala. No caso da DMN, a integridade da rede está implicada pelo deterioro do córtex cingulado posterior e, portanto, pela conectividade entre a região frontal medial e o lobo parietal inferior. Como consequência, ocorre uma ativação incorreta da DMN, e também a existência de redes mais “longas” e, portanto, menos eficientes (depende do método com o qual o fenômeno é estudado). Sporns [3] menciona que, além disso, o precuneus éuma área particularmente vulnerável à deposição de proteínas amiloides. A falta de integridade da DMN é um biomarcador de Alzheimer.
Isso gera uma sequela cognitiva, que é a incapacidade de unir conteúdos cognitivos da seção anterior: busca intencional na memória, perda de esquemas espaciais – tanto corporais quanto não corporais -, perda de conceitos abstratos e perda de personalidade. Tudo isso, de maneira progressiva.
Como a DMN está relacionada com a esquizofrenia?
A esquizofrenia pode ser conceituada como uma síndrome de desconexão, desintegração e falta de sincronização. Podemos constatá-la nas conexões frontal-temporais, devido a déficits estruturais, porém também de conectividade na matéria branca em larga escala e nas redes de pequeno mundo. A sua “materialização” pode ser vista em diferentes aspectos cognitivos, não só na memória de trabalho. Também há uma desconexão da linguagem (mutismo, intrusões de ruminações durante a execução de uma tarefa, ecolalia, fala desintegrada, etc.), da personalidade, da consciência, do pensamento ou do esquema corporal.
Na esquizofrenia também há alterações na eficácia dasredes do cérebro em grande escala. Qual é o efeito na DMN? Tem duplo efeito. Produz-se um déficit na inibição da DMN, e quando há uma supressão incorreta da DMN, a rede “de trabalho” não funciona corretamente [4]. A partir daí poderia surgir, por exemplo, as intrusões típicas de alguns esquizofrênicos durante a execução de AVDs.
Como a DMN está relaciona com o autismo?
No autismo, em termos gerais, podemos dizer que também se produz uma supressão incorreta da DMN, além de uma baixa atividade geral dessa rede, e processos pobres de autorreferência. Porém, ao contrário das síndromes anteriores, poderia haver um perfil oposto no qual as redes de pequeno mundo se encontram superconcentradas; produzindo uma não diferenciação de redes em grande escala. Isso gera uma perda de integração de processos nos quais elas intervêm.
Para saber mais:
[1] Raichle, M. E., MacLeod, A. M., Snyder, A. Z., Powers, W. J., Gusnard, D. A., & Shulman, G. L. (2001). A default mode of brain function. Proceedings of the National Academy of Sciences, 98 (2), 676–682. doi:10.1073/pnas.98.2.676
[2] Fair, D. A., Cohen, A. L., Dosenbach, N. U. F., Church, J. A., Miezin, F. M., Barch, D. M., Raichle, M. E., et al. (2008). The maturing architecture of the brain’s default network. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 105 (10), 4028–4032. doi:10.1073/pnas.0800376105
[3]Sporns, O. (2011) Networks of the Brain. Ed. MIT
[4] Whitfield-Gabrieli, S., Thermenos, H. W., Milanovic, S., Tsuang, M. T., Faraone, S. V., McCarley, R. W., Shenton, M. E., et al. (2009). Hyperactivity and hyperconnectivity of the default network in schizophrenia and in first-degree relatives of persons with schizophrenia. Proceedings of the National Academy of Sciences, 106 (4), 1279–1284. doi:10.1073/pnas.0809141106
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