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Sistema de Neurônios Espelho: função, disfunção e propostas de reabilitação

Sistema de Neurônios Espelho

Definição do sistema de neurônios espelho

Neuroanatomia dos neurônios espelho sistema motor/imitação:

Existem duas grandes redes neuronais que compõem o sistema de neurônios espelho (Cattaneo & Rizzolati, 2008), uma formada pelas áreas do lobo parietal e o córtex pré-motor, assim como pela parte caudal do giro frontal inferior; e outra formada pela ínsula e o córtex frontal medial anterior. Agora focaremos no primeiro sistema, o qual envolve a aprendizagem baseada na observação e na imitação. A organização anatômica do primeiro sistema corresponde a uma hierarquia somatotípica do córtex pré-motor ventral, onde os movimentos motores das pernas se localizam na área dorsal; os gestos faciais se localizam ventralmente, e os manuais têm uma distribuição intermediária. A localização dos movimentos motores próximos (mover a mão para um determinado ponto) são representadas dorsalmente, enquanto o simples ato de agarrar produz uma atividade ventral no córtex pré-motor. Por outro lado, a observação dos movimentos motores também produz uma ativação diferenciada no córtex parietal.

A observação de atos transitivos produz uma ativação do sulco intraparietal, e uma ativação da convexidade parietal adjacente a esta área. A observação de atos intransitivos – independentemente de serem atos simbólicos ou repetição mímica – encontram uma atividade específica na parte posterior do giro supramarginal, que se estende ao giro angular. E para terminar, a observação de atos realizados com ferramentas, ativa especificamente a parte mais rostral do giro supramarginal.

O sistema de neurônios espelho gera uma imaginação do ato motor observado dentro do córtex pré-motor. Essa atividade é coordenada ao mesmo tempo no lobo parietal. É necessário diferenciar a sequência dos processos de observação para delimitar corretamente a neuroanatomia do primeiro sistema exposto (frontoparietal). Nesse sistema, falaremos sobre comportamentos observados que representam um priming visuomotor para a execução – ou não – de uma ação.

Portanto, excluiremos a concepção de priming motorvisual, o que implica prever as consequências durante o planejamento das ações. A atividade desse sistema frontoparietal – e aqui está a parte relevante – ocorre quando o comportamento existe – potencialmente – no repertório do indivíduo. Ou seja, quando um humano observa um cachorro latindo, as áreas pré-motoras e parietais não se ativam, pois ele não possui esse repertório comportamental no córtex.

Por outro lado, a atividade do sistema é proporcional à experiência do observador no comportamento que ele está observando. A conectividade funcional do sistema frontoparietal dos neurônios espelho apresenta uma sequência durante a observação. Em sua origem, esta sequência se origina no lobo occipital, onde são registradas as principais características dos estímulos observados. Todas as informações são enviadas para as áreas de integração, em uma série de etapas que variam de 20 mseg. A 60 mseg., nesta ordem: em primeiro lugar vai para o sulco temporal superior, depois para o lobo parietal inferior, e em seguida a informação vai para o giro frontal inferior e, por último, para o córtex motor primário.

Iacoboni et al. (1999) propõe que as áreas frontais que se ativam representam uma computação das metas a serem alcançadas, enquanto a atividade parietal se corresponde a ativação das representações motoras dos atos que estão sendo observados. No entanto, o grupo de Iacoboni faz uma diferenciação funcional na atividade neuronal do sistema, focando no pars opercularis do giro frontal inferior esquerdo. Acredita-se, que a área dorsal do pars se ativa quando o ato é observado e imitado; porém só se produz uma atividade ventral quando se imita. Na verdade, Iacoboni et al. (2005) analisa funcionalmente as ativações citadas anteriormente.

Segundo Iacoboni, o sistema de neurônios espelho é fundamental para aprender através da imitação. E a sequência de ativação se concluiria da seguinte forma: (i) em primeiro lugar, se produz uma ativação do sulco temporal superior, onde se encontram as representações – via ventral dos movimentos observados. A partir daí (ii) se passa para uma codificação de metas de ação, através do sistema frontoparietal, no qual o córtex pré-frontal dorsal seria responsável por computar os diferentes aspectos da ação, como a própria meta ou o significado, arquivando essas informações, enviando informações para o lobo parietal e corrigindo cálculos sobre o espaço.

Essas informações seriam enviadas do sistema de neurônios espelho frontoparietal para o sulco temporal superior novamente, através dos pars opercularis. Nesse ponto, se produziria um cálculo de ajuste que existe entre as consequências previstas na ação imitativa planejada, e a descrição visual da ação observada. Definitivamente, o sistema de neurônios espelho frontoparietal constitui um sistema de aprendizagem baseado no feedback.

Na verdade, o que se transfere das áreas visuais para as áreas motoras não é um programa motor detalhado, e sim um protótipo da ação, uma ação com significado que se processa no pars opercularis do giro frontal inferior; que guia o planejamento motor de acordo com uma representação detalhada precisa da ação observada, representada no sulco temporal superior e no lobo parietal inferior. Quando a ação observada é nova, antes do período de execução, se produz uma ativação do sistema de neurônios espelho frontoparietal, além de uma ativação da área AB 46 e do córtex medial anterior.

Essa ativação se traduz como um mecanismo de controle executivo, provavelmente como parte do mecanismo de supervisão da Shallice, no qual Baddeley (2000) se baseia para formular o mecanismo de memória de trabalho. No nosso caso, tal sistema poderia envolver uma computação de planejamento de movimento top-down, na qual a memória de trabalho lida com os conteúdos observados e planeja o movimento baseado nesse sistema, produzindo uma atividade frontoparietal que se corresponde com o mecanismo de neurônios espelho.

O sistema de neurônios espelho não deve ser visto como um módulo neuronal separado, e sim como um mecanismo intrínseco e subjacente à maioria das áreas relacionadas com os movimentos motores. De fato, como veremos mais adiante, a ruptura desse sistema não causa um défice seletivo nas lesões focais; na verdade, o envolvimento desse sistema se comprova em transtornos do desenvolvimento do sistema nervoso, e em lesões no lobo frontal. Veremos esse último caso logo abaixo.

Dependência e hierarquia

Como já foi mencionado antes, o sistema de neurônios espelho se sobrepõe a outros sistemas, e o sistema de controle não é exceção, pois suprime comportamentos espontâneos de imitação. As lesões frontais causam uma série de défices caracterizados pelo aparecimento de comportamentos impulsivos gerados por estímulos externos. O comportamento imitativo tem especial relevância para o sistema de neurônios espelho, podendo fazer parte da “síndrome de dependência ambiental”. Normalmente, essa condição surge devido a uma lesão bilateral, embora também possa ser devido a uma lesão unilateral, nesse caso, menos frequente. A observação do comportamento de outras pessoas pode provocar uma ativação das áreas pré-motoras e parietais, dependentes do sistema de neurônios espelho.

Em pessoas saudáveis, essa ativação não se manifesta porque há uma supressão pelo lobo frontal. Sua deterioração implica uma destruição desses mecanismos, transformando possíveis atos em atos reais. A ecopraxia é a imitação ou repetição involuntária dos movimentos observados, onde geralmente há uma perseverança. Normalmente está associada a um transtorno causado por danos nos gânglios basais, porém também pode ser produzida pela deterioração frontal, o que causa uma desinibição do sistema de neurônios espelho.  

Funcionalidade do sistema frontoparietal dos neurônios espelho

Imitação e aprendizagem

Uma tarefa fundamental da aprendizagem é a imitação, o que produz o desenvolvimento de algumas habilidades básicas de desenvolvimento social, especialmente na aquisição da identificação gestual e postural, o que permite o desenvolvimento da compreensão da intencionalidade do outro.

Esses neurônios se disparam quando a pessoa assume comportamentos relacionados com um objetivo, e principalmente quando observa esses comportamentos nas outras pessoas, discriminando entre os diferentes componentes da ação de acordo com seu grau de relevância, desde o ponto de vista intencional; inclusive diante de objetos não presentes.

Baseado no que foi dito anteriormente, podemos deduzir que os neurônios espelho não lidam apenas com conteúdos relacionados com padrões motores ou visuais, mas também com conteúdo abstrato, tanto no que se refere a modalidade sensorial de contingência (um som com significado) quanto em termos de elementos de natureza não presente ou abstrata, que se relacionam em termos de aprendizagem, com intencionalidade, uma realidade na qual a compreensão dos motivos dos demais desempenha um papel muito importante. As informações motoras integradas apresentam características processuais significativas: processamento do movimento, de partes do corpo, de segmento da ação encaminhada a um determinado objetivo (externo) do indivíduo, etc. A proximidade com sistemas frontoparietais que suportam vários tipos de integração sensório-motora sugere que a codificação da ação implementada no sistema de neurônios espelho está associada a alguma forma de integração sensorial. A imitação é uma das muitas formas desse tipo de integração. Nessa integração, o sujeito observador faz comparações entre as informações existentes nas áreas primárias (entradas visuais) e o comportamento observado, conforme explicado anteriormente. A literatura de comportamentos de imitação enfatiza que um dos aspectos essenciais nessa área é a diferenciação entre várias formas de imitação ou contágio, e a verdadeira imitação – ou seja, adicionar algo novo ao próprio repertório motor depois de observar os demais realizando tal ação-. Essa diferenciação é observada a nível neuronal, distinguindo as interações entre o sistema de neurônios espelho e estruturas de preparação para a execução pré-frontal e parietal durante o aprendizado por imitação, e a interação entre o sistema de neurônios espelho e o sistema límbico durante o contágio emocional. Provavelmente o sistema de neurônios espelho no autismo também permite fazer essa distinção, estando um dos sistemas de interação mais danificados do que outro. Falaremos sobre esse assunto mais tarde.

Os neurônios espelho possuem propriedades individuais:

Os neurônios são ativados tanto através da ação imitada quanto através da ação que está sendo observada, mesmo sem imitá-la. Possuem dois níveis de congruência: congruência rigorosa, na qual os neurônios são ativados exclusivamente em ações e observações substancialmente idênticas; e congruência aproximada, na qual os neurônios são ativados através da observação de uma ação que não é necessariamente idêntica à ação executada, mas atinge o mesmo objetivo. Os limiares de ativação se definem pela lógica da ação, e não pelo objeto, nem pela distância da ação. Essas propriedades inferem que lidam com conteúdo abstrato das ações observadas. Mas qual é o grau de abstração dessa codificação? É alto, como se demonstra em experimentos com condições prévias de “ocultação”, em que os neurônios são ativados com base em uma situação inicial de presença ou ausência, discriminando situações.

Existe um reconhecimento sensorial de ações sonoras (entradas sonoras) no sistema de neurônios espelho.  Isso permite estabelecer uma base para a compreensão da fala e da linguagem como um código que é aprendido – pelo menos em fases iniciais – através da imitação física e gestual.

Hierarquia funcional do sistema frontoparietal no processamento motor

Como mencionado anteriormente, existe uma hierarquia funcional no sistema de neurônios espelho quando o indivíduo observa uma ação motora com o objetivo de aprendê-la. Os níveis básicos do processamento motor foram extensivamente estudados. No entanto, o sistema de neurônios espelho responde a uma hierarquia na qual o processamento de movimento é de alto nível, produzindo cálculos entre as consequências da ação e os objetivos.

Para computar tal conhecimento, os componentes que apresentam o contexto da ação devem ser dissociados: começando com o objeto em si que supõe o objetivo. Os estudos existentes não foram conclusivos até pouco tempo atrás. No entanto, através de técnicas de supressão neuronal, como estimulação magnética, conseguiu-se dissociar o processamento de alto alcance do processamento meramente cinemático. Observou-se que a identificação objeto-meta foi computada no sulco intraparietal anterior (Hamilton & Grafton, 2006). Portanto, existe um processamento diferenciado dos objetos, mesmo que a ação seja a mesma (por exemplo, agarrar). Por outro lado, esta dissociação também envolve uma análise das consequências esperadas da ação, que apresenta um nível de hierarquia maior do que o anterior.

É muito importante observar que o processamento de metas envolve o processamento dos movimentos necessários para atingir a referida meta, porém são aspectos com um nível diferente de processamento, sendo o processamento do programa motor (não seu planejamento) uma faixa de processamento inferior. Hamilton & Grafton (2007) demonstraram que existe uma lateralização do sistema que computa as consequências da ação. Através desse estudo, eles descobriram que as consequências de uma ação observada são processadas no giro frontal inferior e no lobo parietal inferior direito, bem como no sulco pós-central esquerdo e no sulco anterior intraparietal esquerdo.

Juntos, propuseram um modelo hierárquico composto da seguinte forma: por um lado, se produz um processamento de baixo nível – cognitivo – que envolvendo o processamento do padrão motor. O processamento do padrão motor se produz em um sistema que envolve uma análise da ação tanto visual quanto motora. A análise visual seria realizada em áreas occipitais laterais, e o que o processamento do padrão cinemático seria realizado nas regiões frontais inferiores.

O processamento de alto nível, definido por uma análise das metas, se realiza em um sistema que envolve duas áreas do hemisfério direito: o lobo intraparietal e o giro frontal inferior – em menor grau. Nesse processamento de metas, os objetos-meta também são processados lateralmente no córtex parietal inferior esquerdo. Existe uma hierarquia neuronal quando as ações observadas são executadas? Sim, e a faixa hierárquica diferencia a complexidade das ações, ou seja, diferencia as ações simples das complexas, e também quando respondem a uma intencionalidade. Nesse caso, a lateralização da atividade neuronal não parece tão óbvia.

Há evidências de que o planejamento de movimentos simples ocorre no córtex motor e pré-motor, bem como no córtex parietal inferior esquerdo. No entanto, parece que o lobo parietal inferior direito está envolvido nos comportamentos complexos que requerem vários passos, como a tarefa das torres de Londres (Newman et al., 2003). Essa zona parece importante para o envio de feedback sobre as consequências do ato motor, e juntamente com o cerebelo pode computar correções de movimento no espaço ou no planejamento.

Linguagem

 Durante a tarefa de imitar o movimento dos dedos, observa-se um aumento da atividade do córtex parietal posterior rostral e no giro frontal inferior, zonas próximas à área de Broca, sugerindo o envolvimento dessas áreas espelho em um mecanismo de aquisição de linguagem de tipo filogenético (Iacoboni & Dapretto, 2006).

Essa teoria tem sido apoiada por diversas razões. Primeiramente foi demonstrada uma lateralização esquerda do sistema de neurônios espelho. Depois, observou-se que a ativação do sistema de neurônios espelho no encéfalo do macaco permite comparar suas áreas com as nossas: as áreas do macaco coincidiriam com a AB 44 do humano, adjacente à área de Broca. A partir da teoria da expressão semântica, a qual propõe que a linguagem é aprendida em um processo de bottom-up, e a partir da teoria motora da percepção do discurso, a qual propõe que o objetivo da análise do discurso são expressões faciais associadas aos sons, muito mais do que os próprios sons; descobriu-se que durante a percepção do discurso, são ativadas as áreas motoras da fala, as quais coincidem com o sistema de neurônios espelho.

Além disso, descobriu-se que o processamento de material linguístico produz ativação motora, e que a atividade neuronal produzida pelo processamento de material linguístico relacionado com partes e ações do corpo, ativa as áreas somatotípicas do cérebro relacionadas com a leitura.

Cognição social e neurônios espelho

Neuroanatomia do sistema de neurônios espelho límbico

O segundo sistema espelho é o emocional. Como já dissemos anteriormente, esse sistema está diretamente ligado ao adotar comportamentos empáticos, porém não funciona separadamente do primeiro sistema; abordaremos esse ponto mais adiante. O sistema de neurônios espelho se localiza também em áreas corticais, que são mediadoras do comportamento emocional. Observar a dor de outras pessoas produz a ativação do córtex cingulado, da amígdala e da ínsula. A ínsula é especialmente importante na integração de representações sensoriais, tanto internas quanto externas. Possui uma estrutura granular e é citoarquitetonicamente semelhante às áreas motoras.

Portanto, a ínsula funciona como um ponto de comunicação entre o sistema límbico e a ativação cortical somatotípica associada à dor, tanto própria quanto alheia, o que constitui a base evolutiva da empatia. No entanto, esta base não é única. Podemos entender o sistema de empatia da seguinte forma: primeiro deve haver um nó conector no referido sistema, que é a amígdala, a qual é necessária para a ativação emocional dos indivíduos.

Em segundo lugar, estão as áreas de expressão e regulação emocional. Como já foi dito antes, a área de expressão emocional baseada em esquemas corporais está composta por duas estruturas: primeiro a ínsula, que, como já foi dito, é o centro de integração da informação interoceptiva; por outro lado, encontramos o córtex cingulado, que se subdivide da seguinte forma: em contraste com a divisão clássica entre processos cognitivos/dorsais e emocionais/rostrais do córtex cingulado (Posner et al., 2007). Recentemente foi comprovado que existe uma divisão em termos de expressão emocional (interoceptiva) no córtex cingulado anterior dorsal, e uma função regulatória das emoções no córtex cingulado anterior rostral (Etkin et al., 2010), sendo congruente com um sistema de controle anteroposterior orbitofrontal (principalmente orbitofrontal-cingulado-amigdalar).

Em terceiro lugar, está o nó conector de processamento de alto nível, composto pelo sistema de neurônios espelho.  Esse sistema está formado pela ínsula e pelo córtex frontal anterior médio. Na verdade, o sistema de neurônios espelho da ínsula se sobrepõe ao sistema de expressão emocional interoceptiva. A interação desse sistema com a emoção varia dependendo da complexidade do ato emocional.

Como funciona o sistema de neurônios espelho na cognição social?

Quando se trata de cognição social, o sistema de neurônios espelho funciona de duas maneiras. Primeiramente porque é necessário para a previsão e atribuição do pensamento (teoria da mente). Em segundo lugar, coloca em prática mecanismos de reconhecimento e expressividade afetivos. O primeiro sistema de previsão foi explicado assim: os atos observados são computados em um sistema de neurônios espelho frontoparietal, juntamente com as consequências. 

Esse sistema serve como um modelo preditivo que avança evolutivamente: desde simples comportamentos e processos bottom-up, o sistema neurológico passa ao longo dos anos a um sistema top-down de regulação, no qual os esquemas motores observados são comparados com a aprendizagem ao longo dos anos, e tem como finalidade estabelecer padrões estatísticos previstos que minimizam o erro (Kilner et al., 2007). Essa computação também é hierárquica, no sentido de que as operações que são realizadas correspondem a uma distribuição hierárquica dos eixos teóricos do cérebro. Nessa hierarquia, o lobo frontal se encarrega de realizar a computação entre o comportamento observado e o suposto estado mental; e o córtex motor, o parietal e o sulco temporal superior se encarregam de integrar informações visuais e esquemas motores armazenados.

Em seguida, vamos focar no segundo sistema de empatia, o qual envolve o sistema de neurônios espelho límbico (ínsula, córtex cingulado e lobo frontal).

Neurônios espelho e empatia

Os neurônios espelho assumem um papel básico em comportamentos empáticos, como por exemplo adotar gestos faciais e posturas em comportamentos imitativos interativos, juntamente com o envolvimento emocional (sistema límbico). Como mencionado anteriormente, os neurônios espelho computam os movimentos em termos de consequência da execução e metas. Esse conhecimento serve de base para a cognição social, juntamente com o segundo sistema de integração emocional. A empatia não é um processo unívoco. Embora existam evidências de que ao observar o castigo alheio, produz-se uma ativação na amígdala, no córtex cingulado anterior e na ínsula – além do tálamo e do cerebelo – (Jackson et al., 2005); provavelmente o processo completo vai depender de uma rede de grande escala, com áreas de alto processamento, influenciando ou provocando respostas emocionais.

Na verdade, esse pode ser o papel dos neurônios espelho na empatia. A empatia recebe o suporte de uma rede neuronal de longa escala, composta pelo sistema de neurônios espelho, pelo sistema límbico e pela ínsula, que funciona como um nó conector entre os dois sistemas. Dentro dessa rede, os neurônios espelhos fornecem, através da ínsula, simulação de expressões faciais e gestos observados nos demais, para áreas de processamento de baixo nível, provocando atividades nessas áreas. E, finalmente, produzindo um estado emocional no observador do comportamento observado. Dessa forma, fornece-se um sistema alternado de emoções ao indivíduo, baseado na simulação que a cognição social permite parcialmente. Essa teoria é chamada de “teoria da simulação” (Gallese & Goldman, 1998; citada em Frith & Frith, 2006); e propõe que, dessa forma, possamos compreender as emoções que observamos através dos estados internos que nos provocam. Portanto, a maneira mais comum de empatizar é se colocar no lugar do outro, literalmente, para experimentar o que o outro está sentindo. Vale ressaltar que quando tentamos adotar a postura de uma outra pessoa expressando suas emoções, fazemos isso facialmente, o que ativa o sistema límbico.

Definitivamente, os neurônios espelho apresentam uma base sensório-motora da empatia. Quando se fala desse sistema de neurônios espelhos e sua relação com a empatia, é necessário fazer uma distinção: compreender e simular as emoções não é o único passo para a cognição social, pois devemos levar em conta a personalidade estável da pessoa para poder fazer previsões. E em relação a esse aspecto, é interessante fazer, novamente, uma distinção: em se tratando de neurônios, tem o mesmo efeito pensar sobre o provável comportamento e emoções de uma pessoa semelhante a nós, ou de uma pessoa diferente? Não, não tem. Pensar em alguém que se parece muito a nós geralmente ativa áreas do córtex pré-frontal medial ventral, especialmente as AB 18, 9, 57 e 10; por outro lado, pensar nas prováveis reações e características de outras pessoas (deferentes de nós) ativa áreas do córtex pré-frontal dorsal, AB 9, 45 e 42 (Frith & Frith, 2006).

De fato, existe um eixo funcional do cérebro medial-lateral, no qual as áreas mais centrais se relacionam com a representação de si mesmo e das próprias emoções, por outro lado, as regiões laterais implicam uma representação do mundo externo e dos outros. Essa hipótese sobre um eixo medial-lateral se baseia em que as áreas mediais tendem a ter maior conexão com centros límbicos e de informações sensoriais proprioceptivas, e, portanto, são mais influenciadas pelos dados; e as áreas laterais são mais reflexivas e dependentes de representações sobre o mundo externo. Amodio & Frith (2006) mencionam um nó central no processamento da cognição social: o córtex frontal médio (AB 10).

Sistema de neurônios espelho e reabilitação motora

Embora já tenha sido explicado a função que apresenta o sistema de neurônios espelho na aprendizagem motora, é interessante ressaltar seu envolvimento na formação de um banco de memória motora. A maior evidência vem dos estudos de Stefan et al. (2007), nos quais os autores mostram como a aprendizagem de uma sequência motora, através da observação, melhora a formação de memórias motoras, em comparação com a aprendizagem solitária. Descobriu-se que a aprendizagem por observação pode mediar processos de neuroplasticidade a longo prazo, e que esse efeito está mediado pelo sistema de neurônios espelho no córtex motor.

Em um estudo realizado por Ertelt et al. (2008), observou-se dois grupos de pacientes com infarto na artéria cerebral média e membro parético, esses dois grupos foram submetidos a duas terapias diferentes: uma com recursos audiovisuais e outra sem áudios. O grupo que seguiu o treinamento com recursos audiovisuais apresentou uma maior melhora no membro parético do que o outro grupo. Além desse tratamento, tem sido proposta a terapia de espelho como uma alternativa que provoca mudanças na plasticidade. Nessa terapia, o paciente faz exercícios com seu membro saudável na frente de um espelho, no qual se visualiza em um espelho sagitado. Isso produz uma ilusão visual do membro parético. Os resultados dessa terapia mostram uma regeneração de plasticidade cortical. 

Neurônios espelho e terapia nos Transtornos do Espectro Autista (Autismo e Asperger)

Desenvolvimento e disfunção

Existem evidências indiretas de atividade de neurônios espelhos desde o primeiro ano de vida para realizar a previsão de metas dos indivíduos observados (Falck-Ytter etal., 2006; citado em Iacoboni & Dapretto, 2006). Essas evidências, em crianças menores de 11 anos, embora sejam menos sólidas do que em adultos (o que é lógico, pois o sistema não está totalmente maduro em termos de conexão), mostram índices de ativação de neurônios espelho em vários parâmetros (supressão de ritmo mu, EEG, espectroscopia infravermelha, ressonância magnética funcional) para atividades de imitação, competência social e empatia. Portanto, mesmo sem saber com exatidão qual é o grau de envolvimento do sistema de neurônios espelho no comportamento social, sabe-se claramente que ele desempenha um papel central.

Provavelmente um dos pontos chave que permite estabelecer sua importância seja sua disfunção em crianças com autismo e outros transtornos de comunicação. No autismo, foi proposto um défice de simulação neuronal na modelagem de comportamentos observados, o que impede uma “compreensão experimental” correta em relação aos outros. Essa deficiência tem sido comprovada neurologicamente com o circuito dos neurônios espelho, nos quais existem anormalidades estruturais em pessoas com  transtornos do espectro autista.

Esse transtorno, por exemplo, impede que haja uma correta identificação das emoções nos gestos faciais, pois não há uma ativação adequada do circuito central. No entanto, as pessoas autistas são capazes de identificar o ato não emocional – embora não saibam o propósito para o qual é realizado – sugerindo uma ruptura do circuito de neurônios espelho límbico mais acentuado que o mecanismo de imitação. Essa deficiência se correlaciona com a gravidade do transtorno.

Os dados fornecidos sobre Asperger confirmam um défice semelhante, porém menos grave (baseado em dificuldades e em atraso temporário na aquisição de comportamentos) no que se refere a imitação; o que sugere que a imitação pode desempenhar um papel importante na terapia com essas pessoas. A terapia com pessoas que apresentam transtornos do espectro autista pode envolver o sistema de neurônios espelho.  Há evidências empíricas de que, pelo menos em parte, o transtorno envolve uma deficiência na imitação e na produção de linguagem, e que o sistema de neurônios espelho está envolvido nesse transtorno (Wan et al., 2010).

Já foi demonstrado que a musicoterapia favorece a melhora dos sintomas. Pois o sistema sensório-motor está envolvido no processamento da linguagem, e há também uma modulação da atividade motora durante o processamento da linguagem; parece lógico pensar que uma maneira de ativar o sistema de neurônios espelho poderia melhorar ambos sintomas. E a música produz uma atividade no sistema, o que favorece sua alteração (no sentido positivo) e proporciona plasticidade neuronal, já que a música também é um ato de expressividade motora, e produz uma ativação da área de Broca (AB 44), entre outras. De fato, esse tipo de terapia combinada com o canto produz efeitos benéficos em pacientes com Afasia de Broca, onde muitos são capazes de dizer as palavras integradas em uma prosódia diferente do normal.

Cantar, em comparação com o ato de falar, produz uma ativação bilateral de uma rede frontotemporal, e parte dessa rede compartilha neurônios com o mecanismo de neurônios espelho. Essa sobreposição produz uma melhora dos esquemas de coordenação auditiva-motora, um défice de ativação que se observa em pessoas que sofrem desse tipo de transtorno de comunicação.

Em termos de imitação, o grau de implementação e eficácia varia da mesma forma que os dados experimentais citados anteriormente. Parece que as crianças com Asperger mostram uma boa evolução, principalmente se a terapia se realizada inicialmente com a presença de pessoas próximos ao afetado, e mais ainda ao ser realizada com vídeos com o próprio paciente. Esses dados foram comprovados na supressão de ondas mu no córtex sensório-motor, parte do sistema de neurônios espelho.  

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