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Cognição social: estrutura e avaliação de um superconstruto

Cognição social: estrutura e avaliação de um superconstruto

Quando pensamos em cognição social no campo da neuropsicologia ou psicologia, muitas vezes nos referimos a conceitos tais como empatia, reconhecimento de expressões emocionais, faciais, teoria da mente ou mentalização, etc.; no entanto, nem sempre temos uma ideia geral clara, ou um modelo sob o qual relacionar essas construções, e, a partir daí, organizar nosso trabalho de avaliação e tratamento de pessoas com déficits de cognição social.

Embora os modelos holísticos e detalhados de cognição social sejam escassos nas pesquisas atuais [1], há um consenso, no qual se afirma que a cognição social é um sistema de processamento de informação, no qual há múltiplas funções básicas envolvidas, as quais nos permitem que tenhamos um determinado comportamento social [1].

Quais são as funções básicas incluídas pela cognição social e como elas se relacionam entre si para dar origem a um comportamento social?

A partir de uma recente revisão de Sánchez-Cubillo, Tirapu-Ustárroz e Adrover-Roig [1], e do modelo de fluxo do processamento socioemocional de Ochsner [2], fez-se uma publicação que resume o conceito, a estrutura e alguns testes de avaliação da cognição social: uma superconstrução.

Conceito de cognição social

A cognição social é entendida como a capacidade de formar representações das relações entre si e os outros, e de usá-las de forma flexível, de orientar nosso comportamento para que geremos comportamentos apropriados de acordo com a circunstância social que se apresenta [1].

Este processo cognitivo, através do qual construímos estas representações, é um processo complexo, no qual intervêm mecanismos de percepção, processamento e avaliação dos estímulos, permitindo-nos formar uma representação do ambiente de interação social [1].

Componentes e níveis de complexidade da cognição social: o modelo de Ochsner

Ochsner (2008), conhecido como fluxo de processamento socioemocional, é um modelo geral de cognição social que inclui a maior parte dos processos cognitivos e afetivos estudados isoladamente, através da pesquisa básica sobre cognição social [1,2].

Este modelo considera que no processamento da informação envolvida na cognição social, intervêm cinco componentes que estão relacionados entre si e de forma hierárquica, nos quais estão envolvidos vários processos:

1. Aquisição de valores socioafetivos

Em primeiro lugar, afirma-se que é através da aprendizagem associativa por condicionamento, que atribuímos valores afetivos aos estímulos sociais que recebemos e suas possíveis respostas.

Ou seja, implicitamente, aprendemos a associar cada estímulo social a um determinado valor (os estímulo podem ser positivos, negativos ou neutros) e essas associações, estímulo-valor, influenciam a forma subjetiva que cada indivíduo tem de interpretar o mundo, moldando seus gostos, preferências, atitudes, etc.

2. Percepção e respostas aos estímulos socioafetivos

Em segundo lugar, percebemos e reconhecemos estímulos socioafetivos que funcionam como peça fundamental, cujo reconhecimento é muito relevante para a nossa adaptação no meio social.

Os estímulos sociais que detectamos e interpretamos a este nível são:

A partir da observação do nosso ambiente social, detectamos estes estímulos sociais, os quais interpretamos como estímulos positivos, negativos ou neutros; e cujo reconhecimento tem a função final de nos ajudar a compreender as intenções e o estado mental dos outros.

3. Inferência de baixo nível de complexidade: simulação incorporada

Inferências de baixo nível são processos de compreensão (dos estados mentais e intenções dos demais) que não usam o raciocínio, e sim mecanismos mais básicos e imediatos, tais como processos de simulação incorporados, que envolvem a ativação de neurônios- espelho.

Como já sabemos, os neurônios-espelho são neurônios que são ativados tanto pela observação de um movimento biológico em outros seres, quanto quando nós mesmos executamos tal movimento. Este mecanismo foi postulado como a base neural subjacente à empatia (especificamente seu componente mais afetivo versus cognitivo) e imitação (referindo-se ao conceito de espelhamento social).

A capacidade de experimentar, imediatamente no nosso próprio corpo, o que a outra pessoa está sentindo (ter empatia), apenas olhando para ela, nos ajuda a entender rapidamente qual é o seu estado emocional/mental, e assim podemos compreender o que ela está sentindo e quais são suas possíveis intenções, mas tudo isso tem que ser automaticamente e rápido, sem ter que passar por processos de raciocínio, os quais requerem mais tempo.         

4. Inferência de alto nível de complexidade: teoria da mente ou empatia cognitiva

As inferências de alto nível referem-se à compreensão simbólica do que observamos, considerando tanto o contexto quanto a informação semântica e episódica, de modo que se possa analisar a informação que processamos, o que nos permite dar respostas adaptativas aos estímulos sociais mais ambíguos, os quais requerem um processamento mais complexo e simbólico.

O raciocínio desempenha um papel fundamental neste nível, e os processos da teoria da mente (também chamados de mentalização ou empatia cognitiva) são ativados no que se refere à capacidade de atribuir estados mentais a outros indivíduos, a fim de explicar e prever o seu comportamento.

5. Regulação do comportamento em função do contexto

De acordo com este modelo, nós regulamos o nosso comportamento social através de três sistemas:

1. Regulação do comportamento, baseada em aspectos descritivos:

É um sistema que utiliza o conhecimento verbal lógico para reinterpretar e atualizar o significado do estímulo socioafetivo percebido, dependendo de uma situação específica.

Sabendo explicitamente em que estado de espírito alguém se encontra, podemos reinterpretar o seu comportamento como consequência de uma situação particular, e reagir adequadamente de forma adaptativa. Por exemplo, se sabemos que um colega de trabalho está chateado, porque acabou de discutir com sua companheira, podemos reinterpretar uma má resposta dada por ele, pois isso não reflete uma má relação entre nós, e sim uma consequência acarretada por um problema pessoal que ele está vivendo no momento.

2. Regulação do comportamento, baseada nos resultados das próprias ações/estímulos

É um sistema de regulação comportamental que relembra e atualiza a relação entre os estímulos ou as próprias ações e seus resultados emocionais (consequências, positivas ou negativas, do nosso comportamento no passado). Portanto, baseia-se na memória das consequências trazidas pelas experiências anteriores para atribuir valores a cada comportamento vivenciado em cada situação.

3. Regulação do comportamento, baseada nas escolhas

Funciona como uma combinação entre os dois sistemas citados anteriormente, e envolve a ponderação do valor relativo à escolha de várias opções comportamentais; como por exemplo, escolher entre duas opções, onde uma nos proporciona pequenos ganhos em curto prazo e a outra nos proporciona grandes ganhos, mas em longo prazo. 

Portanto, de acordo com o modelo de fluxo de processamento emocional de Oschner, nos níveis mais básicos de processamento de informação social, há uma aprendizagem implícita do valor dos estímulos sociais, e uma subsequente detecção e interpretação desses estímulos em outras expressões faciais (como por exemplo, o reconhecimento de diferentes emoções, as quais associamos a certo valor). Nos níveis médios de processamento de informação social, estão envolvidos os processos de simulação incorporados, mediados por mecanismos de neurônios-espelho (como a empatia afetiva ou a imitação). E em níveis mais complexos de processamento, estão envolvidos os processos de inferência cognitiva simbólica (teoria da mente) e de regulação do próprio comportamento.

Avaliação da cognição social

Alguns testes úteis para a avaliação das funções básicas incluídas na capacidade geral de cognição social são [1]:

A NeuronUP incluiu vários exercícios para trabalhar as habilidades de cognição social, clique aqui para vê-los.

Bibliografia

  1. Sánchez-Cubillo I, Tirapu-Ustárroz J y Adrover-Roig D (2012). Neuropsicología de la cognición social y la autoconciencia. En Tirapu-Ustárroz J, Ríos-Lago M, García Molina A y Ardila A (Eds.), Neuropsicología del córtex prefrontal y las funciones ejecutivas (pp. 353-390). Barcelona:Viguera.
  2. Ochsner, K. (2008) The social-emotionalprocessingstream: fivecoreconstructs and theirtranslationalpotentialforschizophrenia and beyond. BiolPsychiatry, 64: 48-61.
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